quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Período Nacionalista

O MOVIMENTO NACIONALISTA


       Para entendermos melhor este período precisamos saber que o nacionalismo no mundo foi um fenômeno complexo. Dois exemplos deste procedimento, no século XIX, encontram-se em Wagner e Verdi, que apesar de suas composições refletirem um sentimento patriótico, eles não cultivaram um estilo que pudesse caracterizar-se como etnicamente alemão ou italiano. Um dos ingredientes do nacionalismo colocou-se no sentimento de orgulho de uma língua e de sua literatura, contrastando com a perspectiva de que a melhor forma de um compositor ser publicamente reconhecido, em particular em seu país, era imitar os compositores estrangeiros e competir com estes nos seus termos. 
     Segundo GROUT e PALISCA (1995), esses produtos tinham mais chance de aceitação internacionalmente, porém faltava uma identidade étnica e o desenvolvimento dessa caracterização se dava melhor pelo uso do folclore nacional ou de sua reprodução em novas composições, apesar de poder não ser tão facilmente aceito pelas platéias tradicionais, o nacionalismo revelou-se como algo atrativo, com colorações inéditas e cativantes. 
       No Brasil as colorações musicais nacionalistas puderam ser notada na música de Villa-Lobos, que buscou no folclore a sua fonte de inspiração. As Bachianas Brasileiras, fusão do estilo de Bach e da música folclórica, os Choros, as orquestrações de músicas folclóricas, os poemas sinfônicos, fantasias e variações revelam, de acordo com AZEVEDO (1971:488), “uma tal riqueza de idéias, uma tão prodigiosa espontaneidade e tão grande exuberância e vitalidade de ritmos, que não tardaram a colocá-lo, no juízo dos críticos de mais autoridade, entre os primeiros compositores das duas Américas”, o qual iremos destacar neste blog em textos futuros.
       A efetivação do movimento nacionalista brasileiro se deu em 1928, quando o escritor e musicólogo modernista Mário de Andrade propôs o desenvolvimento de um projeto nacional – erudito - popular para o país, colocando a intenção nacionalista e o uso sistemático da música folclórica como condição indispensável para o ingresso e a permanência do artista na república musical. 
       O movimento já havia sido deflagrado em São Paulo, onde, convidado pelo interventor João Alberto de Lins e Barros, logo após a Revolução de 30, empreendeu uma caravana artística oficial através de 68 cidades do interior paulista, acompanhado por artistas do maior relevo, como Antonieta Rudge e Souza Lima. (MACHADO, 1987:37)  
       O projeto explícito foi o de fazer a composição erudita beber nas fontes populares, estilizando seus temas, imitando suas formas, em suma, incorporando a sua técnica. A preocupação nacionalista voltada para o folclore foi tomada como norma, mas a passagem concreta do erudito ao popular e vice-versa permaneceu sempre como um grande problema. 
       Em O Banquete, Mário de ANDRADE (1977:130) resume outra premissa-chave do nacionalismo brasileiro: “Toda arte brasileira de agora que não se organizar diretamente do princípio da utilidade, mesmo a tal valores eternos: será vã, será diletante, será pedante e idealista”. 
       Penetrar, entretanto, neste mundo musical brasileiro requer percorrer as trajetórias pessoais dos precursores ao sucesso que se descortinou para Villa-Lobos e inseri-los corretamente no momento político. As relações de amizade com Mário de Andrade respondem às questões intrínsecas do nacionalismo brasileiro (TONI, 1987), valendo destacar a participação de ambos no movimento modernista brasileiro da década de 1920, ao lado de artistas como Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade.
       Mário de Andrade, amigo pessoal de Gustavo Capanema, ministro da Educação e Saúde de Getúlio Vargas entre os anos de 1934 e 1945, trabalhou incessantemente pela cultura do país e idealizou vários projetos juntamente com o ministro. Gustavo Capanema esteve sempre envolvido com as atividades culturais e artísticas do país. Esta postura creditou-se às suas vinculações de origem com a intelectualidade mineira e, especialmente, com alguns membros do movimento modernista, possibilitadas especialmente por Carlos Drummond de Andrade, seu chefe-de-gabinete. Todavia, segundo SCHWARTZMAN, BOMENY E COSTA (1984), não há nada que comprove que o ministro se identificava com esses ideais. Por outro lado, Mário de Andrade era um dos partidários do modernismo, considerando-o como “uma retomada das raízes da nacionalidade brasileira, que permitisse uma superação dos artificialismos e formalismos da cultura erudita superficial e empostada” (SCHWARTZMAN, BOMENY E COSTA, 1984:80). Esse modernismo constituía-se de idéias bastante amplas, que não entraram em contradição formal com o governo da época. O contato entre Mário de Andrade e o ministério resumia-se na busca por um envolvimento entre o folclore e as artes: enquanto Capanema buscava valores estéticos, os nacionalistas procuravam difundir suas idéias por meio do governo. 
       A música teve, juntamente com o rádio e o cinema, um papel central no esforço educativo do ministério da Educação e Saúde. Porém, a linha divisória entre cultura e propaganda, segundo SCHWARTZMAN,  BOMENY E COSTA (1984), foi um ponto de difícil estabelecimento. Heitor Villa-Lobos foi a presença ativa e influente deste momento.
        O nacionalismo brasileiro adotou uma solução platônica para a questão da cultura diante do avanço crescente da indústria cultural. Projetou a hegemonia da música erudita sobre a música popular-comercial urbana e as inovações mais radicais da vanguarda européia. Para WISNIK (1982), o debate político-pedagógico de Platão influenciou decisivamente o nacionalismo, desde as obras de Mário de Andrade até a atuação de Villa-Lobos junto aos grandes grupos vocais por ele formados. 
         A música apareceu como um elemento agregador/ desagregador por excelência, podendo promover o enlace da totalidade social ou preparando a sua dissolvência. A educação repousou na música, imitação do caráter (elevado ou inferior), que redundava, por seus matizes éticos de profunda repercussão subjetiva, não só na contemplação do belo, mas também nas consequências práticas da realização da virtude. A adequada dieta música-ginástica, base da formação do cidadão, imprimiria nele o “caráter sensato e bom”, enquanto o uso inadequado da música generalizada, na concepção platônica, representava a “feia expressão” e os “maus costumes”.
       Dessa forma, sob uma perspectiva platônica, a proposta de Villa-Lobos era a difusão dos ideais nacionalistas por meio da educação musical, que também formava os indivíduos cívica e moralmente, conjugando o belo (a estética) com o bom (a moral e a ética), como Platão (429-348 a.C.), que em A República estabelece a educação como fator essencial para o desenvolvimento da vida política e social (PLATÃO, 1973). 
       Quanto ao aspecto cultural, destaca-se que, entretanto, o nacionalismo brasileiro “nunca passou de um esforço de modernização nos parâmetros em que o Brasil seria modelado à imagem e semelhança dos países desenvolvidos” (SQUEFF, 1982:54). Foi menos um movimento de independência cultural e mais um processo de adaptação; o que importava não era a expressão nacional, mas adaptação desta àquela aceita como tal nos países desenvolvidos. Nossa modernidade só poderia ser alcançada a partir da tradução da matéria-prima em expressão que pudesse encontrar reconhecimento internacional.
        Esperamos que este texto tenha norteado bem o caminho que percorreremos ao longo do estudo sobre o período citado no mesmo, em breve voltaremos a postar outros textos voltados à música deste período.


Grupo Villa-Lobos 


Referências:


GROUT, D.; PALISCA, C. (1995): História da música ocidental. Lisboa, Gradiva.
MACHADO, M. C. (1987): Villa-Lobos: Tradição e renovação na música brasileira. Rio de Janeiro,Francisco Alves – UFRJ.
ANDRADE, M. de (1977): O banquete. São Paulo, Duas Cidades.
PLATÃO (1973): A república. São Paulo, Difusão Européia do Livro.
AZEVEDO, F. de (1971): A Cultura Brasileira. São Paulo, Melhoramentos – EDUSP. 
TONI, F. C. (1987): Mário de Andrade e Villa-Lobos. São Paulo, Centro Cultural São Paulo (CCSP).
SQUEFF, E. (1982): “Reflexões sobre um mesmo tema”. Em E. SQUEFF e J. M. WISNIK: O nacional e o popular na cultura brasileira: música. São Paulo, Brasiliense.






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