sexta-feira, 13 de maio de 2011

A música como disciplina escolar

        A música também teve uma participação muito importante para a educação brasileira no século XX.  Nota-se isto no discurso de Rosa Fátima de Souza, que já relata a importância da música como disciplina escolar no estado de São Paulo ainda no século XIX. Segundo a pesquisadora, o relatório do diretor da Escola Modelo Caetano de Campos, referente ao ano de 1895, contempla o ensino de ginástica, música e canto, trabalhos manuais que tinham por objetivo equilibrar as atividades lúdicas com as cognitivas. Essa ideia seria retomada algumas décadas depois por Fernando de Azevedo em defesa do movimento conhecido como Escola Nova.
        No novo código de educação, as representações dramáticas, a música e a dança não entraram apenas como divertimentos nos programas de festas e reuniões escolares, mas se integraram, como num corpo de doutrina, no novo sistema com que a escola, aproveitando a arte na sua função social, como um auxiliar maravilhoso na obra de educação, poderá contribuir para aprofundar e consolidar as bases espirituais de nossa formação, abrindo à sensibilidade das crianças às atividades ideais, capazes de despertá-la e desenvolvê-la, sem prejuízo, antes como proveito das práticas cotidianas." (AZEVEDO, 1958, p.127)
        A função da música nos colégios era de providenciar um momento de lazer, tempo de recreio. No entanto, a expressão nacionalista por vezes parecia desencontrada nos discursos artísticos e políticos, pois enquanto que autores como Fernando de Azevedo, Mário de Andrade, ressaltavam a busca do folclore como maior expressão de sentimento nacional, o governo buscava esta concepção, através da execução de hinos e marchas militares durante o ensino primário.
        O livro: Música na Escola Primária, consta de uma coletânea de 100 músicas mimeografadas, intitulada "Coleção de Músicas escolares para o ensino primário organizada e aprovada pelo serviço de Educação Musical e Artística - SEMA", criado em 1a. edição em 1952. O livro foi produzido para ser distribuído gratuitamente para cada professora do ensino primário, como consta no relato do Ministro da Educação e Cultura, Darcy Ribeiro na apresentação do trabalho. Era dividido em 8 partes bem definidas. A primeira e mais extensa delas são dedicados aos Hinos Patrióticos e Canções Patrióticas. Ainda na introdução do capítulo, encontra-se um histórico sobre o Hino Nacional, anexado à lei de 31/7/1942 que esclarece como o Hino deveria ser executado, mantendo sempre a mesma tonalidade, andamento e execução. Desta forma, já se impediria qualquer "distorção" sobre o arranjo clássico do Hino Nacional. A lei também oficializava a maneira de se portar perante a execução do Hino, inclusive para os estrangeiro.
       Cabia ao professor de Canto Orfeônico ensinar o Hino como primeira lição. Diversos Hinos são contemplados nesta edição, tais como o Hino à Bandeira Nacional, Hino da Independência do Brasil, Hino da Proclamação da República dos Estados Unidos do Brasil, Hino a Tiradentes, Hino a Caxias, Hino a Rio Branco e Hino à Redentora. Além disso, encontram-se canções que referenciavam à Pátria armada e ao sentimento de defesa e amor ao país, como ocorre na canção: Fibra de Herói (letra de Teófilo de Barros Filho/ música de Guerra Peixe):
Se a Pátria querida/ For envolvida pelo perigo/ Na paz ou na guerra/ Defende a terra contra o inimigo,/ Com ânimo forte/ Se for preciso enfrenta a morte;/ Afronta se lava Com fibra de herói de gente brava./ Bandeira do Brasil/ Ninguém te manchará,/ Teu povo varonil/ Isso não consentirá./ Bandeira idolatrada,/ Altiva a tremular/ Onde a liberdade/ É mais uma estrela a brilhar.
       Nota-se que na frase "Bandeira do Brasil/ Ninguém te manchará/ Teu povo varonil/ Isso não consentirá", a criança já é embutida dos valores de valorização da Pátria, da bandeira da República. As canções que valorizam as forças armadas como Canção ao Soldado, Canção do Marinheiro, Cadetes do AR, Soldadinhos Brasileiros e Soldadinhos, também é encontrado no livro.
       A segunda parte é dedicada ao folclore. O ensino do folclore foi muito defendido por Mário de Andrade e Fernando de Azevedo que pregavam que a memória histórica cultural do país seria uma das formas mais expressivas de nacionalismo.
      O que é preciso, antes de tudo, para integrar as artes no plano de educação popular, é estudar e organizar a decoração das salas de aula, inspirando-se em motivos da vida infantil e da flora, fauna e folclore nacional; enriquecer de alegria, beleza e brasilidade o ambiente da escola, pelo arranjo, decoração e ornamentação interior; promover visitas dos alunos aos monumentos artísticos e exemplares mais expressivos da arte colonial e de construções no estilo tradicional brasileiro; pesquisar e recolher dados do folclore, especialmente relativos a jogos, danças, cantos e canções populares (...)" (AZEVEDO, 1958, p.129)
        O livro: Canto da Juventude, 1953, voltado para estudantes secundaristas e da Escola Normal, também apresenta nas primeiras lições os ensinamentos do Hino Nacional, Hino à Bandeira Nacional, Hino da Proclamação da República, Hino da Independência e Hino aos Professores, sendo que neste último seria uma canção de demonstração de respeito e devoção aos professores.             As menções de honras feitas a aqueles que lutaram ao país é feita, utilizando a visão governamental de nacionalismo, que eleva o exército e marchas de crianças a máxima expressão de nacionalismo dentro a escola, o que em muito divergia do nacionalismo artístico desenvolvido na Semana de Arte Moderna.

A música nacionalista e suas influências na educação

        No final do século XIX tivemos uma grande tendência de diversos países para a música de caráter nacionalista, que buscava uma valorização do elemento folclórico nas composições surgidas na época. Segundo BENETT (1986), a corrente nacionalista iniciada no século XIX penetrou no século XX. Nos Estados Unidos, Charles Ives, em suas composições, fez uso de canções folclóricas. Certos compositores como Vaughan Williams na Inglaterra, Bartók e Kodaly na Hungria fizeram uma abordagem científica: recolheram cantos folclóricos e estudaram minuciosamente seus padrões rítmicos e melódicos, que freqüentemente percebiam basear-se em modos e escalas incomuns. Outros compositores como Sibelius na Finlândia baseavam suas obras em lendas locais. No Brasil, a música nacionalista encontra em Villa-Lobos seu maior expoente.
        Pode-se definir a música nacionalista independente de qualquer linguagem musical: "a música se diz nacionalista, quando realmente contém elementos musicais característicos a um determinado povo ou nação. Desses elementos, os principais são: o ritmo, as características melódicas, o idioma, o folclore e outras manifestações populares ou patrióticas." (VALLE e ADAM, p.85, 1986).
         No Brasil, o movimento da Semana de Arte Moderna realizada em 1922, trouxe à tona um movimento artístico que também buscava um sentido nacionalista na sua arte. A preocupação das vanguardas européias (influenciadoras diretas do movimento modernista em seu início) e a preocupação com o presente e a realidade, contribuíram para acentuar a mirada nacionalista dos artistas envolvidos na Semana de Arte Moderna.
         A noção de nacionalismo em Mário de Andrade [um dos grandes expoentes do modernismo no Brasil] realiza uma clara evolução no sentido de maior abertura, escapando a regionalismos e bovarismos, ao exotismo ou a um estreito patriotismo, desvinculado mesmo de uma linha política. Sua procura, em meados da década de 20, visa descobrir o que seja entidade nacional ou mesmo a consciência nacional, que ele acredita ´ser íntima, popular e unânime`. Como artista, procura na música, no folclore, na literatura popular, na pintura e na língua manifestações dessa nacionalidade e pessoalmente confessa-se um homem do mundo, encarnação da dialética implantada pelo modernismo de 22: nacionalismo x universalismo (COSTA; 1982, p.19)
         Mário de Andrade complementa: "(...) sou obrigado a lhe confessar, por mais que isto lhe penalize, que eu não tenho nenhuma noção do que seja pátria política, uma porção de terra fechada pertencente a um povo ou raça (...)". Fica claro no discurso de Mário de Andrade, que a questão da Pátria é um mero acidente de nascimento. O que de fato ele acentua é o pragmatismo da função do intelectual, buscando, sobretudo valorizar o Homem e suas criações. Mário de Andrade desiludiu-se com as promessas de renovação política e social, como aconteceu em relação à revolução getulista. Não acreditava politicamente na noção de pátria, não acreditava que representantes governamentais pudessem exprimir as vontades do povo. Sendo assim, Mário de Andrade assume, um nacionalismo próprio, que pretendia ser universal, o que de fato acontecia no meio artístico.
         No Brasil, o movimento nacionalista na música, além de Villa-Lobos teve grandes expoentes como: Alexandre Levi e Alberto Nepomuceno. Além da vasta contribuição no âmbito musical, Villa-Lobos manteve uma grande participação no que diz respeito ao ensino musical brasileiro. Desde a primeira concentração orfeônica (Exortação Cívica), realizada em Maio de 1931 da qual participaram cerca de 12.000 pessoas de diferentes e variados grupos sociais (escolares, acadêmicos, forças armadas, operários), que Villa-Lobos deu início a uma linha de trabalho que seria desenvolvida por ele, até o final da sua vida. Essas movimentações públicas de massas escolares, através do canto orfeônico, ao longo dos anos de governo de Getúlio Vargas, admitem uma relação semelhante aos países fascistas da Europa.
          Em 12 de fevereiro de 1932, Villa-Lobos entregou ao Presidente Vargas um memorial, de onde foi retirado o seguinte trecho:
        No intuito de prestar serviços ativos ao seu país, como um entusiasta patriota que tem a devida obrigação de pôr à disposição das autoridades administrativas todas as suas funções especializadas, préstimos, profissão, fé e atividade, comprovadas pelas suas demonstrações públicas  de capacidade, quer em todo o Brasil, quer no estrangeiro, vem o signatário, por este intermédio, mostrar a Vossa Excelência o quadro horrível em que se encontra o meio artístico brasileiro, sob o ponto de vista da finalidade educativa que deveria ser e ter para os nossos patrícios, ao obstante sermos um povo possuidor, incontestavelmente, dos melhores dons da suprema arte (KIEFER, 1986, p.146).
       Villa-Lobos manteve uma preocupação com o ensino do Canto Orfeônico, assumindo cargos importantes dentro do Governo de Getúlio Vargas, como a chefia da Superintendência de Educação Musical e Artística (SEMA). Realizou apresentações de canto orfeônico principalmente em datas nacionais, assumindo uma forte preocupação com o caráter nacionalista da música.



        No entanto, o sentido nacionalista da música brasileira, ia de encontro com alguns compositores populares na época. Em 1937, enquanto propagava-se a fase trabalhista de Getúlio Vargas, em que a máxima "só o trabalho dignifica o homem" servia de exemplo para o bom cidadão, a censura do DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda – foi implacável com toda e qualquer manifestação que não fosse o idealizado pelo Estado. Não seria mais permitido que a música popular estimulasse temas, como por exemplo, da vadiagem e da vida boêmia, já que eram considerados antipatrióticos por não exaltar ao progresso da Pátria. Wilson Batista mostra-se um exemplo desta censura. Em 1933, com seu samba intitulado "Lenço no Pescoço", contemplava a malandragem e ao ócio. Vejamos a letra:
Meu chapéu do lado/ Tamanco arrastando/ Lenço no Pescoço/ Navalha no bolso/ Eu passo gingando/ Provoco e desafio/ Eu tenho orgulho de ser tão vadio/ Sei que eles falam/ Deste meu proceder/ Eu vejo quem trabalha/ Andar no misere/ Eu sou vadio/ Porque tive inclinação/ Eu me lembro era criança/ Tirava samba-canção/ Comigo não/ Eu quero ter razão
          Em 1940, em plena vigência da política repressiva do Estado Novo, Wilson Batista, junto com Ataulfo Alves compõe o samba "O Bonde de São Januário", uma exaltação trabalhismo. Vejamos a letra:
O Bonde de São Januário/ Quem trabalha é quem tem razão/ Eu digo e não tenho medo de errar/ O Bonde de São Januário/ Leva mais um operário/ Sou em que vou trabalhar/ Antigamente eu não tinha juízo/ Mas resolvi garantir meu futuro/ Veja você/ Sou feliz, vivo muito bem/ A boêmia não dá camisa a ninguém.
Segundo demonstra CALDAS, 1995, na frase: "Antigamente eu não tinha juízo", o compositor parece autopenitenciar-se e mostra-se arrependido do seu tempo de malandragem. Repensando sua postura anterior, ele assegura convicto "quem trabalha é quem tem razão". Essa revisão de valores coincide com a proposta de exaltação ao progresso do Estado Novo. Porém Wilson Batista mesmo depois de sua regeneração teve algumas recaídas e voltou a compor sambas boêmios e malandros. Era apaixonado por bares, mulheres, verso e viola. Um conflito interno profundo entre o trabalho e a malandragem. Um duelo de vários artistas, que como ele, não podiam viver exclusivamente de sua arte.



REFERÊNCIAS

ARIÈS, Philippe. "História social da criança e da família" - Rio de Janeiro: LTC, 1981.
AZEVEDO, Fernando: "Novos caminhos e novos fins – A nova política da educação no Brasil. Subsídios para uma história de quatro anos" – Obras completas – Vol. VII, 3ª edição, 1958.
BENETT, Roy: "Uma breve história da música" – 2ª ed. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar editor, 1986.
COSTA, Marta Morais da: "O Modernismo segundo Mário de  Andrade" in Estudos sobre o Modernismo – COSTA, Marta Morais da; FARIA, João Roberto G. de; BERNARDI, Rosse Marye(...) – Curitiba, Criar, 1982.
CALDAS, Waldenyr: "Luz Neon: Canção e cultura na cidade" – São Paulo: Studio Nobel: SESC (Coleção Cidade Aberta), 1995.
FREIRE, Vanda Lima Bellard: "Música e sociedade: uma perspectiva histórica e uma reflexão aplicada no ensino superior de música", série TESES 1 , Abril, 1992.
FRIAS, Irvany Bedaque Ferreira: "Estudo Dirigido de Educação Musical" - 4ªedição-   Biblioteca Nacional do Ministério da Educação e Cultura, São Paulo, 1972.
HAMILTON, David. "Notas de lugar nenhum: sobre os primórdios da escolarização moderna." Revista Brasileira de História da Educação. Campinas, n.1, 2001, p. 45-73.
KIEFER, Bruno: "Villa-Lobos e o modernismo na música brasileira" – 2.ed. _ Porto Alegre: Movimento; Brasília: INL: Fundação Nacional Pró-Memória, 1986.
PETITAT, André: "Produção da escola, produção da sociedade" – Porto Agre: Artes Médicas, 1994.
PINEAU, Pablo: "La escuela en el paisaje moderno. Consideraciones sobre el proceso de escolarización" In: CUCUZZA, Héctor Rubén compilador. Historia de la Educación en Debate. Buenos Aires: Miño y Dávila editores, 1996.
PINEAU, Pablo: "Premisas básicas de la escolarización como construcción moderna que construyó a la modernidad – Revista de Estudios del Curriculum" – Barcelona, Vol.2, n.1, 1999.
SOUZA, Rosa Fátima de: "Templos de Civilização" – São Paulo: UNESP, 1998.
VALLE, José Nilo e Joselir Nisio Guimarães Adam: "Linguagem e Estruturação Musical" – 3ªed – Composto e impresso na Impressora Cacique Ltda – Curitiba, 1986.

Villa-Lobos e os Chorões

       Aos 16 anos começou a ter contato com os chorões, tornando-se companheiro de Eduardo das Neves, Ernesto Nazaré, Anacleto Medeiros e Catulo da Paixão Cearense. O quartel General deles era a loja de música "O Cavaquinho de Ouro", em que recebiam muitos convites para todo tipo de apresentação. 
Faziam parte do grupo, liderado por Quincas Laranjeira, Luís de Souza e Luís Gonzaga da Hora (pistão-baixo), Anacleto de Medeiros (saxofone), Macário e Irineu de Almeida (oficleide), Zé do Cavaquinho (cavaquinho), Juca Kalu, Spindola e Felisberto Marques (flauta). O repertorio abrangia peças de Calado, Nazaré, Luís de Souza e Viriato.
        Entre os chorões, Villa-Lobos era o violão clássico e chegou mesmo a influenciá-los, por sua sugestão Ernesto Nazaré escreveu batuques, fantasias e estudos.
        O interesse pelo choro levaria o compositor a desenvolver uma significativa parte de sua obra valorizando o violão. Reminiscências dessa época são encontradas em varias peças da series dos choros e na fuga da Bachiana Brasileira n.º 1, composta à maneira da música de Satíro Bilhar.